Domingo de Carnaval. No sítio nenhuma diferença dos dias como são. A diferença somos nós que chegamos da cidade para quebrar a rotina de paz do lugar.
Estamos no Jiqui, em Quixelô e, como de hábito, após algumas cervas, conversamos e descobrimos lugares interessantes para conhecer em busca de uma boa história. Desta vez vamos à Vassouras penúltimo distrito de Quixelô antes de chegar à Ilha Grande, onde termina o município.
A caminho de Vassouras encontramos um pedaço de moinho; parte de um engenho abandonado, no meio do tempo e logo ao lado a casa.
Chegamos! A visão é desoladora.
A retirada de forma descontrolada de água para a capital e outras cidades têm piorado a vida que quem vive do açude. A água baixa e fica só a lama, que para nada serve. É o sertanejo pagando o preço da falta de planejamento das cidades grandes e da demora na chegada da Transposição do São Francisco. Mas o nordestino é antes de tudo um forte. O que são mais dois meses para quem venceu cinco anos da pior seca da história?
Para chegar ao porão, onde só existe uma fina camada de água de pouco mais de um metro, teremos que andar por mais quinhentos metros e sempre descendo.
Na medida que avançamos o solo fica mais rachado. Seco na ponta é mole como um pudim embaixo e, em outros pontos, é lama pura. Andar descalço neste tipo de terreno é correr risco de cortar-se em cascos de caramujos e vir a pegar uma grave infecção. Eles ficam no recheio da lama. Ao pisar a borda pode lhe cortar a pele e basta um pequeno corte, sem muita importância, para a coisa complicar depois.
A lama que fica perto do porão do açude vai se tornando outra armadilha. Andar ou cair ali pode significar a morte. Afundar é certo. Jogamos algumas pedras no que parecia um inocente trecho de praia molhada e logo vimos que elas somem completamente. A capa é na realidade uma armadilha cruel que muitos chamam de areia movediça.
Não conseguimos passar deste ponto, mas de longe a gente vê os troncos das árvores que ficavam submersos e estavam assim há décadas. Neste ponto do açude Orós, que se pode considerar raso, quando cheio, a profundidade é de uns 25 metros.
De pedra à peixes
Na volta fizemos caminho diferente e encontramos uma cerca de pedras feita há algumas boas décadas pelo senhor Chico Alves. Ela foi montada inteiramente à mão apenas encaixando as pedras umas nas outras. Quando você olha de longe, parece um muro de pedras, mas quando chega perto descobre que não há um grama de argamassa para manter as pedras todas juntas. A solução da cerca de pedras foi tomada para que o solo fosse descoberto para o plantio, para criar pastagem, mas não deu certo totalmente e o que seria viver da agricultura e pecuária, virou comer da pesca. Daí Vassouras, nome dado ao tipo de cerca feito com pedaços de pedras.
No caminho paramos para degustar uma iguaria da caatinga: o fruto do mandacaru que chamam também de xique-xique. Quem conhece esse fruto sabe que não morre de fome na caatinga. Parece um kiwi, mas é absurdamente belo em um tom de vinho com grãos pretos envoltos por uma casca verde. Não bastasse ser belo é muito saboroso. O tempo bom de comer é quando a casca fica vermelha. Neste momento ele fica doce.
Era hora de voltar. Vassouras é uma ponta de um gigante chamado Orós que quase secou, mas deu na lama.
Prostrado, quase sem água, na pior seca desde a Seca do Quinze, o Orós mostra seus segredos mantidos escondidos por muito tempo e que logo estarão submersos para sempre, se Deus quiser, a partir deste ano, quando o nível das águas voltar a subir.
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