Jason Wilson para o The Guardian
A guerra cultural que pauta os debates atuais entre a esquerda e a direita tem sua origem na absurda teoria do “marxismo cultural”
O que o colunista australiano Nick Cater, o grupo de ódio de videogame #Gamergate, o assassino em massa norueguês Anders Breivik e indivíduos aleatórios no YouTube têm em comum? Além de todo o resto, todos invocaram o fantasma do “marxismo cultural” para explicar o que não gostam – tais como as comunidades de imigrantes islâmicos, o feminismo e o líder da oposição [no parlamento australiano] Bill Shorten.
Do que eles estão falando? O conto varia varia nas conversas, mas a teoria do marxismo cultural é parte integrante da vida fantasiosa da direita contemporânea. É como um espelho insano, que reflete coisas que realmente aconteceram, mas para distorcê-las das maneiras mais bizarras.
Isso começou nas décadas de 1910 e 1920. Quando a revolução socialista não se expandiu além da União Soviética, pensadores marxistas como Antonio Gramsci e Georg Lukacs tentaram explicar porquê. A resposta foi que a cultura e a religião abalaram o desejo de revolta do proletariado e a solução foi que os marxistas realizassem uma “longa marcha pelas instituições” – universidades e escolas, burocracias governamentais e meios de comunicação – para que os valores culturais pudessem ser progressivamente alterados de cima.
Adaptando isso, pensadores posteriores da Escola de Frankfurt decidiram que a chave para destruir o capitalismo era misturar Marx com um pouco de Freud, uma vez que os trabalhadores não eram apenas economicamente oprimidos, mas afetados pela repressão sexual e outras convenções sociais. O problema não era apenas o capitalismo como sistema econômico, mas a família, as hierarquias de gênero, a sexualidade normativa – em suma, toda a amplitude de valores ocidentais tradicionais.Os teóricos da conspiração afirmam que esses “marxistas culturais” começaram a usar formas insidiosas de manipulação psicológica para conquistar o Ocidente. Então, quando o nazismo forçou os membros (na maior parte judeus) da Escola de Frankfurt a fugir para América, eles conseguiram, a história afirma, uma possibilidade de minar a cultura e os valores que tinham sustentado a nação capitalista a mais poderosa do mundo.
A popularidade das idéias de teóricos como Herbert Marcuse e Theodor Adorno na contracultura de 1960 culminou com a ocupação pelos seus acólitos dos altos escalões das instituições culturais mais importantes, das universidades aos estúdios de Hollywood. Ali, diz a conspiração, eles promovem e até mesmo aplicam idéias que pretendem destruir os valores cristãos tradicionais e derrubar a livre iniciativa: o feminismo, o multiculturalismo, os direitos dos homossexuais e o ateísmo. E isso, aparentemente, é de onde veio a politicamente correto. Eu prometo a você: eles realmente acreditam nisso.Toda a história é claramente absurda. Se os cursos de Humanas estão realmente voltados para a lavagem cerebral dos estudantes para aceitarem os postulados da ideologia de extrema esquerda, a composição dos parlamentos e presidências ocidentais e o enorme sucesso do capitalismo corporativo sugerem que estão fazendo um trabalho surpreendentemente ruim. Qualquer um que passe o olho nas últimas três décadas de política vai achar estranho que alguém possa interpretar o que aconteceu como o triunfo de uma esquerda todo-poderosa.
Quando o Muro de Berlim caiu, chegou a hora da estratégia de Lind do “conservadorismo cultural” se tornar uma estratégia central para os Republicanos americanos: identificou um novo tipo de inimigo social para a direita se mobilizar. A mudança dos parâmetros do debate econômico e o início do declínio americano exigiram que os conservadores abraçassem uma política “centrada mais, e não menos, em questões culturais” – a família, a educação, o crime e a moralidade. O conto de fadas do marxismo cultural forneceu um adversário pós-comunista localizado especificamente no âmbito cultural – acadêmicos, Hollywood, jornalistas, ativistas dos direitos civis e feministas. Tem sido um pilar de ativismo conservador e retórica desde então.Embora Lind tenha se tornado recentemente uma figura mais marginal, sua história do marxismo cultural tem se mostrado durável e útil em todo o espectro do pensamento de direita pois favorece muito.
Ele permite que aqueles que sofrem de uma perda de privilégio se fantasiem de vítimas, apontando para uma elite sombria, onipresente, quase estrangeira, que está tentando destruir tudo o que é bom no mundo. Oferece uma explicação para o declínio das famílias, das pequenas cidades, da autoridade patriarcal e do poder branco incontestado: uma vasta conspiração de esquerda de um século de duração. E isso distrai do fator mais importante nestas mudanças: o capitalismo, que exige mobilidade, cujas crises têm corroído o padrão de vida, e que, entre outras coisas, mina a viabilidade das estruturas familiares convencionais e os estilos de vida tradicionais que os conservadores aprovam.A história do marxismo cultural também é flexível e pode ser adaptada para se adequar às obsessões de uma série de atores de direita. Como tal, é um exemplo de uma idéia dos extremos que tem sido mobilizada por figuras mais mainstream e arrastou a política como um todo um pouco mais para a direita.
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