Pesquisa realizada pelo Instituto Rep\u00fablica, divulgada e comentada pelo jornalista e blogueiro Lu\u00eds Nassif, mostra que o jeitinho brasileiro est\u00e1 mudando e essa nova roupagem confere ao nosso povo uma vantagem em rela\u00e7\u00e3o a v\u00e1rios pontos considerados positivos , inclusive pela comunidade internacional.<\/p>\n
Pode parecer absurdo, mas a pesquisa mostra exatamente isso. O Brasileiro, definido por ele mesmo, delineia o perfil muito interessante. Comecemos por definir o que antes era a ess\u00eancia do jeitinho brasileiro. De acordo com o trabalho apresentado, a vis\u00e3o que alguns estudiosos e pesquisadores tinham sobre o tema \u2018Jeitinho Brasileiro\u2019 era exclusivamente pejorativa e estava atrelada a Lei de Gerson. Hoje n\u00e3o \u00e9 mais assim t\u00e3o exclusivista. O primeiro autor a tratar do\u00a0jeitinho<\/em> foi Guerreiro Ramos no livro\u00a0Administra\u00e7\u00e3o e estrat\u00e9gia de desenvolvimento<\/em>, de 1966. Para o autor, o\u00a0jeitinho<\/em> seria uma categoria central da sociedade brasileira. Seria um tra\u00e7o comum nas sociedades latino-americanas, o que o autor chama de\u00a0\u201cprocessos crioulos\u201d, assentados em uma raiz comum\u00a0\u2013\u00a0o formalismo. Guerreiro Ramos fala da dist\u00e2ncia presente nas sociedades latino-americanas entre as institui\u00e7\u00f5es sociais, pol\u00edticas e jur\u00eddicas e as pr\u00e1ticas sociais.<\/p>\n <\/p>\n O rigor da lei, o formalismo, seria um recurso das classes dominantes (uma ideologia, em sentido marxiano) utilizada para frear ou adiar as tens\u00f5es sociais e buscar o desenvolvimento. O\u00a0jeitinho<\/em> seria uma resposta da sociedade a essa estrat\u00e9gia de domina\u00e7\u00e3o, um mecanismo de adapta\u00e7\u00e3o \u00e0s situa\u00e7\u00f5es perversas da sociedade brasileira. Na vis\u00e3o de Guerreiro Ramos, o\u00a0jeitinho<\/em> era um simples reflexo de um est\u00e1gio do desenvolvimento e estava fadado a desaparecer na medida em que as sociedades se desenvolvessem e se industrializassem e as leis passassem a ser mais realistas e universais, j\u00e1 que mais pr\u00f3ximas das pr\u00e1ticas sociais.<\/p>\n No livro ‘O Jeitinho Brasileiro\u00a0\u2013\u00a0A arte de ser mais igual do que os outros’, L\u00edvia Barbosa define o jeitinho<\/em> como um mecanismo de navega\u00e7\u00e3o social (assim como DaMatta) que se localiza em um ponto <\/em>entre o favor (p\u00f3lo positivo) e a corrup\u00e7\u00e3o (p\u00f3lo negativo): A autora afirma no pref\u00e1cio da edi\u00e7\u00e3o de 2005 do seu livro, que\u00a0\u201ca posi\u00e7\u00e3o que se encontra o\u00a0jeitinho<\/em> est\u00e1 cada vez mais pr\u00f3xima da corrup\u00e7\u00e3o.\u201d No livro ‘Dando um Jeito no Jeitinho’, Louren\u00e7o Stelio Rega prop\u00f5e um modelo para se pensar o\u00a0jeitinho <\/em>brasileiro. Afirma que no Brasil existe um c\u00edrculo vicioso cujo eixo motor seria o\u00a0jeitinho<\/em>.<\/p>\n Segundo os pesquisadores alguns tra\u00e7os marcam os brasileiros. S\u00e3o eles:<\/p>\n <\/p>\n Mas como o jeitinho<\/em> pode vir a ser algo positivo? Antes \u00e9 importante destacar os tr\u00eas tipos de brasileiros detectados pela pesquisa na atualidade. S\u00e3o eles: O tipo Aprimoramento (37% da popula\u00e7\u00e3o); o tipo Estabilidade(27% da popula\u00e7\u00e3o) e Sobreviv\u00eancia(36% da popula\u00e7\u00e3o).<\/p>\n Na descri\u00e7\u00e3o de cada perfil podemos encontrar no tipo \u00a0APRIMORAMENTO<\/strong>, aquele brasileiro que tem suas necessidades de sobreviv\u00eancia e de seguran\u00e7a garantidas. Este grupo mostrou-se heterog\u00eaneo, pois re\u00fane a elite econ\u00f4mica e cultural do pa\u00eds; acolhe a maior parcela dos movimentos emergentes do pa\u00eds: na cultura, na est\u00e9tica, na tecnologia, no engajamento ecol\u00f3gico e na consci\u00eancia cidad\u00e3. Ao mesmo tempo, mostra seu lado etnoc\u00eantrico, preconceituoso e soberbo. Por se encontrar em posi\u00e7\u00e3o privilegiada no pa\u00eds, julga-se “melhor que os demais”. Segundo a an\u00e1lise qualitativa, muitos dos que criticam nossa pequenez s\u00e3o filhos do privil\u00e9gio e da corrup\u00e7\u00e3o.<\/p>\n O tipo\u00a0ESTABILIDADE <\/strong>\u00e9 representado principalmente pelos profissionais em cargos de alguma responsabilidade. Est\u00e3o focados nos seus objetivos profissionais e em melhorar sua performance, empregabilidade e produtividade. Al\u00e9m disso, buscam cuidar da fam\u00edlia, dos pais ou sogros, irm\u00e3os desempregados e amigos que perderam a posi\u00e7\u00e3o devido uma fus\u00e3o entre multinacionais. Reclamam muito das mazelas do pa\u00eds e esperam que algu\u00e9m d\u00ea conta de resolv\u00ea-las porque “eles n\u00e3o t\u00eam tempo”.<\/p>\n Os do tipo\u00a0SOBREVIV\u00caNCIA<\/strong> se dizem mais felizes, mais otimistas e mais patriotas. Sua vida, de fato, tem melhorado nos \u00faltimos anos. H\u00e1 um maior conforto e h\u00e1 reconhecimento disso por parte deles mesmos. Para este p\u00fablico, poder comprar \u00e9 t\u00e3o\u00a0 ou mais importante do que ser bem atendido. A mobilidade social existe, certamente com outro nome, e carrega uma enorme vontade de n\u00e3o ficar s\u00f3 nisso. Isso se traduz numa coisa interessante: esta categoria de brasileiros quando compra determinado bem n\u00e3o deseja exclusividade. A imensa maioria compartilha com vizinhos e amigos – um boca-em-boca, pois para eles a confirma\u00e7\u00e3o de uma boa compra ser\u00e1 ver todos os amigos tendo um igual ao dele. Estas mesmas pessoas s\u00e3o aquelas que ficariam com os filhos do vizinho quando este resolve sair para uma festa \u00e0 noite. Fato que n\u00e3o existe nos na maioria dos dois outros tipos identificados na pesquisa qualitativa.<\/p>\n Um dos dados que chama mais a aten\u00e7\u00e3o \u00e9 como o brasileiro se v\u00ea em rela\u00e7\u00e3o ao SER HUMANO. As informa\u00e7\u00f5es colhidas apontam para um brasileiro que acredita ser mais batalhador, mais alegre, mais solid\u00e1rio, mais criativo\/inovador, mais prestativo, mais justo, mais bonito, sempre d\u00e1 um \u2018jeitinho\u2019, mais sofrido, mais patriota e tem mais jogo de cintura que o ser humano comum. O brasileiro acredita que o SER HUMANO comum \u00e9 menos amigo, menos inteligente, menos corajoso, menos competitivo, menos agressivo, menos consumista e menos estressado do que o brasileiro. Na pesquisa qualitativa se detectou que o \u201cjeitinho\u201d n\u00e3o \u00e9 apontado nem como uma qualidade, que poderia ser atribu\u00edda a um amigo, e n\u00e3o como um defeito, o qual seria associado a um inimigo. O brasileiro se v\u00ea como algu\u00e9m <\/strong>alegre, emocional e musical, que busca mais divers\u00e3o que dinheiro, vive o presente e tem na adapta\u00e7\u00e3o e na flexibilidade a sua maior ferramenta de sobreviv\u00eancia. Um lutador; otimista que gosta do conv\u00edvio e vive com pouco.<\/p>\n A consci\u00eancia de ser brasileiro tamb\u00e9m causou surpresa. Para 90% dos entrevistados ter nascido no Brasil \u00e9 a melhor coisa. Falar portugu\u00eas e n\u00e3o outro idioma (36%) – aqui entendido o fato de gostarem da l\u00edngua portuguesa e de fal\u00e1-la; ser batalhador(26%); nunca perder a esperan\u00e7a (22%), adorar futebol(22%) e conviver bem com todo tipo de gente(20%) s\u00e3o os principais fatores da brasilidade. No quadro abaixo voc\u00ea ver\u00e1 a lista completa de fatores que imperam na forma\u00e7\u00e3o da consci\u00eancia de ser brasileiro.<\/p>\n <\/p>\n O brasileiro se orgulha da natureza do pa\u00eds (46%), carnaval(33%); do povo, das pessoas, do jeito de ser do brasileiro(31%) e da m\u00fasica brasileira(28%). Aqui outra surpresa \u2013 o brasileiro tem como um dos valores que o orgulham o Hino Nacional(26,2%). Veja abaixo o quadro com dados mais detalhados.<\/p>\n <\/p>\n O que mais envergonha os brasileiros s\u00e3o os pol\u00edticos com 55,2% (aqui nenhuma novidade); dos hospitais p\u00fablicos(40%), dos partidos pol\u00edticos (36%) e do processo de puni\u00e7\u00e3o dos corruptos(34,1%) – veja quadro abaixo. Apesar disso, cerca de 78% afirmaram ter orgulho de ser brasileiro contra apenas 3% que n\u00e3o tem orgulho nenhum de s\u00ea-lo. O estudo mostra que a flexibilidade do brasileiro, a facilidade com que se adapta a mudan\u00e7as e a postura otimista e criativa diante de fatos tidos como cr\u00edticos para a maioria dos seres humanos n\u00e3o brasileiros \u00e9 algo vantajoso, inclusive em rela\u00e7\u00e3o a nova ordem mundial.\u00a0 A m\u00e3o-de-obra brasileira tem sido muito elogiada neste sentio, principalmente em rela\u00e7\u00e3o a implementa\u00e7\u00e3o dos programas de qualidade nas empresas.<\/p>\n O mais interessante \u00e9 que aqui o profano e o sagrado s\u00e3o vizinhos e n\u00e3o se matam. Os povos inimigos l\u00e1 fora aqui se respeitam e a \u00fanica forma de racismo que existe nesse pa\u00eds est\u00e1 mais para o preconceito contra ser pobre do que ser preto, branco ou qualquer outra cor. Se voc\u00ea \u00e9 preto e rico tudo bem, mas se for pobre e branco voc\u00ea ser\u00e1 discriminado. Se voc\u00ea tem dinheiro, n\u00e3o importa a sua cor. Aqui todas as diferen\u00e7as convivem em uma harmonia interessante. Parece que os estrangeiros que aqui vem morar acabam assumindo nossos costumes e o jeito brasileiro de se relacionar e viver. Algumas dessas conviv\u00eancias, aqui tidas de forma pac\u00edfica, em outros lugares do mundo j\u00e1 provocaram muitas guerras.<\/p>\n <\/p>\n Um fato interesante acontece na Bahia. Irm\u00e3 Dulce – o Anjo bom da Bahia – morava exatamente no trajeto da prociss\u00e3o do Senhor do Bonfim. Quando acontecia a prociss\u00e3o, os fi\u00e9is ( do Candombl\u00e9 e de outras religi\u00f5es e seitas afro) eles passavam em frente a casa dela em sil\u00eancio. Agora a mais brasileira das atitudes – Irm\u00e3 Dulce sa\u00eda \u00e0 janela e aben\u00e7oava todas aquelas pessoas que eram de outro credo religioso bem mais ligados a esp\u00edritos do que \u00e0s almas. Na Bahia o candombl\u00e9 lava as escadarias das igrejas cat\u00f3licas. Tem 365 igrejas em Salvador, ou seja, uma por dia e n\u00e3o existe nenhum conflito. Sinagogas est\u00e3o pr\u00f3ximas a templos muculmanos e por ai vai. Aqui muculmanos n\u00e3o jogam bombas em americanos e ingleses. Qual \u00e9 o pa\u00eds onde tudo se mistura e convive perfeitamente como uma aquarela? S\u00f3 na Aquarela Brasil! E isso est\u00e1 sendo percebido como uma qualidade inata do brasileiro e definido como o novo jeitinho<\/em> brasileiro.<\/p>\n <\/p>\n Apesar dos problemas que ainda temos, eu, que sempre manifestei clara e abertamente meu orgulho de ser brasileiro, n\u00e3o fiquei t\u00e3o surpreso com os dados colhidos no estudo. Para mim a brasilidade reside em tr\u00eas frases: “Sou brasileiro e n\u00e3o desisto, nunca! “; “Ver\u00e1s que um filho teu n\u00e3o foge \u00e0 luta.” E por \u00faltimo uma das frases mais cantadas nos est\u00e1dios de futebol \u2013 “Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor!” Pelo estudo, parece que isso n\u00e3o \u00e9 dito apenas da boca para fora ou para ingl\u00eas ver, ultimamente o brasileiro tem levado isso muito a s\u00e9rio. \u00c9 espetacular ver nos est\u00e1dios brasileiros cantando emocionados o Hino Nacional e de manifestar o orgulho desse sentimento de brasilidade.<\/p>\n O pensador Darcy Ribeiro, um grande educador e um grande brasileiro, nos brinda com duas cita\u00e7\u00f5es maravilhosas sobre o tema. Para ele, N\u00f3s, brasileiros, “somos um povo em ser, impedido de s\u00ea-lo. Um povo mesti\u00e7o na carne e no esp\u00edrito, j\u00e1 que aqui a mesti\u00e7agem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos viveu por s\u00e9culos sem consci\u00eancia de si… Assim foi at\u00e9 se definir como uma nova identidade \u00e9tnico-nacional, a de brasileiros…” e complementa: “Repetem, incans\u00e1veis,que nossa sociedade tradicional era muito atrasada – outra balela. Produzimos, no per\u00edodo colonial, muito mais riqueza de exporta\u00e7\u00e3o que a Am\u00e9rica do Norte e edificamos cidades majestosas corno o Rio, a Bahia, Recife, Olinda, Ouro Preto, que eles jamais conheceram.”<\/p>\n Darcy Ribeiro era um incans\u00e1vel brasileiro que conseguia ver o Brasil muito mais do que apenas uma na\u00e7\u00e3o de esqu\u00e1lidos subdesenvolvidos. Incans\u00e1vel nessa luta, Darcy, como antrp\u00f3logo, sempre acreditou que nasceria no Brasil uma nova ra\u00e7a resultante da miscigena\u00e7\u00e3o de todas as outras ra\u00e7as do mundo que por aqui andam e aqui conseguiram viver respeitando as suas tradi\u00e7\u00f5es. Suas id\u00e9ias sobre a brasilidade eram muito avan\u00e7adas para a sua \u00e9poca, mas ele nunca desistiu da brasilidade, pois para Darcy Ribeiro:\u00a0 -“S\u00f3 h\u00e1 duas op\u00e7\u00f5es nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu n\u00e3o vou me resignar nunca.” Afirmava ele.<\/p>\n Para terminar eu deixo voc\u00eas com a an\u00e1lise do jornalista Lu\u00eds Nassif sobre o estudo ‘O Brasileiro por ele mesmo’, \u00e9 quase uma palestra (44 minutos), mas vale a pena se voc\u00ea desejar se aprofundar mais um pouco sobre a nossa brasilidade. E viva o povo brasileiro!<\/p>\n An\u00e1lise do jornalista Lu\u00eds Nassif<\/strong> – <\/a><\/p>\n\n