A maioria das pessoas que visitam o Ceará acredita que aqui só existem belas praias. Os próprios cearenses desconhecem a própria terra. É mais comum saber de cearenses que conheceram outros estados e até mesmo outros países que mesmo lugares que ficam a apenas 100 quilômetros de distância.


Da peste ao riso
A primeira cidade depois que saímos da capital do Ceará é Maranguape que fica na Região Metropolitana de Fortaleza. O lugar se notabilizou pelo clima de serra, seus remansos e cachoeiras e por ser terra de Chico Anísio – o maior humorista brasileiro de todos os tempos e um dos maiores do mundo pela quantidade de personagens que criou e interpretou. Além dele, Maranguape tem a marca forte de um soteropolitano que adotou o Ceará como sua terra. Chama-se Rodolfo Teófilo (*1853+1932) escritor brasileiro naturalista, poeta, documentarista, contista, articulista e o cara que inventou a cajuína que pode ser cristalina em Teresina, mas foi criada por um baiano no Ceará para acalmar a sua terrível gastrite. Mas foi como farmacêutico que Rodolfo tornou-se conhecido por ter empreendido, no início do Século XX uma batalha pessoal contra a varíola e contra o medo do povo de tomar a vacina. Sem recursos, em tempo de seca, fome, da migração em massa, lutando inclusive contra os coronéis e as péssimas condições de higiene, enfrentou praticamente sozinho, em duas oportunidades, epidemias de varíola que vitimou milhares de pessoas em Fortaleza e interior do Ceará, no final do século XIX e início do século XX. O cólera matou quase um terço dos seis mil habitantes de Maranguape (1862) e no final da década seguinte (1878), a varíola matou um quinto da população da capital cearense. Rodolfo aprendeu a fabricar a vacina e passou a imunizar o povo (1901) com ajuda de sua mulher e um criado vacinando cerca de duas mil pessoas (1902), não sendo registrado nenhum novo caso de varíola na capital cearense naquele ano. Mesmo fazendo o certo foi perseguido pelo governo de Antônio Pinto Nogueira Accioli, que estava totalmente alheio ao sofrimento do povo cearense. O Ceará enfrenta a pior seca dos últimos 70 anos, mas encanta pela resistência No livro do jornalista e biógrafo Lira Neto (O poder e a Peste A vida de Rodolfo Teófilo – Lira Neto, Ed. Fundação Demócrito Rocha, 1999.), ele descreve o cenário da peste naquela época onde no lugar onde está situada a praça da matriz de Maranguape foi cavada uma das maiores valas-comuns que se tem notícia para cremar corpos que se amontoavam as centenas. O brilho da chama da queima dos corpos e o odor podiam ser percebidos e sentidos a quilômetros de distância. A cena parecia com o que vimos em documentários sobre o Holocausto Judeu.
Em busca da serra na companhia dos Anonymous “Rodolfo Teófilo e Oswaldo Cruz têm trajetórias semelhantes”, destaca Lira Neto. Cruz virou herói nacional. Rodolfo Teófilo foi esquecido, lamenta-se Lira Neto. Em 10 de dezembro de 1904, a população do Rio de Janeiro se levantou na Revolta da Vacina, contra a ação dos militares, que usavam da força para obrigar a população que, temerosa, resistia a ser vacinada. No Ceará não houve isso. Como não havia apoio do Poder Público, Rodolfo tinha que convencer na conversa.
Santo Antônio à espera de um milagre.
Deixamos Maranguape e rumamos para Campos Belo, distrito de Caridade, que fica no limite entre a vegetação de caatinga e o ínício da Serra de Guaramiranga que ainda guarda lembranças da exuberância que tinha quando era totalmente coberta pela Mata Atlântica. A cabeça ficou tão pesada que não pôde ser suportada pelo corpo destinado ao santo. Ficou pela rua
Perto dali, em Caridade (100 km de Fortaleza), piedade do santo foi o que não tiveram. Santo Antônio, literalmente, está sem a cabeça há mais de 20 anos. Lá é o santo que espera que as pessoas façam algo por ele. No morro do Cerrote, na cidade de Caridade – sede de Campos Belo – existe uma estátua de Santo Antônio sem cabeça. A confusão teve início quando o então prefeito de Caridade, Raul Linhares, que governou o município entre os anos de 1981 e 1986 encomendou o monumento de cerca de 30 metros de altura. Era para ser um dos maiores do mundo… Era. Em cada lugar uma paisagem diferente e histórias inusitadas
A obra começou em 1992 e quando terminou, a cabeça ficou tão pesada que não pôde ser suportada pelo corpo destinado ao santo. Além disso, os fortes ventos da região não permitiam erguê-la com segurança. O ex-prefeito morreu em 2005 e até hoje Santo Antônio espera por um milagre dos fiéis para, enfim, juntar a cabeça ao corpo que está no alto do Cerrote e a cabeça no meio da rua, ambos, assim, separados no nascimento, há mais de vinte anos. Sabe-se que as vitalinas judiam do santo para arrumar marido, mas Caridade pegou pesado.
Tudo muito bonito inserido em um clima ameno Tomamos o rumo da subida da Serra de Guaramiranga. Na medida em que vencíamos cada curva a paisagem e o clima iam mudando. Do calor insuportável da caatinga para o ameno clima de serra que descortinava sua exuberante vegetação decorada por muitas flores. Na Serra de Guaramiranga há ótimos hotéis, excelente gastronomia, monumentos históricos, cachoeiras, o Pico Alto e no carnaval a cidade recebe o Festival Internacional de Jazz de Guaramiranga. Paramos na primeira cidade logo após o fim da subida. Pacoti é pequena, aconchegante e tem da serra de tudo um pouco. Almoçamos com meus amigos do Anonymous Moto Grupo no K-Labar.
Uma parada para ver a paisagem.
Alegria contagiante no clique de Jelbes Lima A Serra de Guaramiranga e de Maranguape merecem uma matéria à parte de tanto que se tem para mostrar. Após o almoço descemos a serra de volta à Fortaleza. É um passeio de 220 km (ida e volta) carregado de paisagens e climas diferentes e de muita história que vale a pena conhecer.
Mapa do roteiro
Agradecimentos – Esta reportagem tem o apoio cultural do Motonline, Motoboy Magazine, Make Safe Alarmes Presenciais, Anonymous Moto Grupo, Custom & Race – Moto Parts e Fort Motos Imports.